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Resenha Encíclica Fratelli Tutti



A Encíclica Fratelli Tutti ("Todos Irmãos"), publicada pelo Papa Francisco em 3 de outubro de 2020, representa um marco significativo no pensamento social da Igreja Católica. Este documento é uma convocação apaixonada à fraternidade e à amizade social, refletindo profundamente sobre os desafios e as oportunidades do mundo contemporâneo. A encíclica aborda questões urgentes em um contexto global marcado por crises sanitárias, conflitos geopolíticos, desigualdades sociais e problemas ambientais. A proposta de Fratelli Tutti é promover uma fraternidade universal e a solidariedade como caminhos para enfrentar esses desafios.

Os temas centrais de Fratelli Tutti abrangem conceitos fundamentais que norteiam a mensagem do Papa Francisco. O primeiro tema, a fraternidade, sublinha a importância de reconhecermos todos como irmãos e irmãs, unidos por uma dignidade comum. A fraternidade é apresentada não apenas como um ideal religioso, mas como uma necessidade prática para a construção de um mundo mais justo e humano. O segundo tema, a amizade social, é proposta como um meio eficaz para a construção de um mundo onde as diferenças são valorizadas e a colaboração se torna a norma. A amizade social é vista como uma forma de promover a coesão social e a paz. O terceiro tema, o diálogo e o encontro, enfatiza a importância do diálogo e do encontro entre pessoas de diferentes culturas, religiões e origens. O Papa Francisco argumenta que o diálogo sincero e aberto é essencial para superar as divisões e construir pontes de compreensão mútua. O quarto tema, o cuidado com os mais fracos, destaca a necessidade de cuidar dos mais fracos e marginalizados da sociedade. Ele chama a atenção para a importância de combater a pobreza, a exclusão e a indiferença, promovendo uma cultura de cuidado e solidariedade. O quinto e último tema central, a esperança e a ação, transmite uma mensagem de esperança, convidando todos a se engajarem ativamente na construção de um mundo mais fraterno e solidário. A esperança é apresentada como uma força motriz para a ação transformadora.

Fratelli Tutti é composta por oito capítulos, cada um explorando diferentes aspectos da fraternidade e da amizade social. No primeiro capítulo, "As sombras de um mundo fechado", o Papa Francisco destaca a volta de conflitos considerados ultrapassados e menciona o surgimento de nacionalismos fechados, agressivos, ressentidos e exacerbados. Para Francisco, em diferentes nações, uma ideia de coletividade e identidade nacional, influenciada por diversas ideologias, gera novos tipos de egoísmo e de falta de solidariedade camuflados sob a justificativa de proteção dos interesses do país.

Segundo o Papa, os conflitos locais e a falta de preocupação com o bem de todos estão sendo explorados pela economia global para impor uma cultura padronizada. Ele ressalta que essa cultura globalizada pode unificar o mundo, mas acaba gerando divisões entre as pessoas e as nações, já que, apesar de nos tornarmos vizinhos em uma sociedade globalizada, não nos tornamos irmãos.

Segundo Francisco, o progresso do globalismo costuma privilegiar a identidade dos grupos poderosos que se preservam, enquanto busca enfraquecer as identidades das comunidades mais vulneráveis e carentes, deixando-as mais expostas e necessitadas. Ele destaca a importância de zelar pelo planeta que nos acolhe e nos sustenta como forma de também zelar por nós mesmos. O Papa ressalta a necessidade de nos unirmos como uma coletividade que compartilha a mesma casa. Neste ponto, ele descreve de forma imparcial a realidade, porque "os momentos felizes e as expectativas, os momentos tristes e as ansiedades dos indivíduos atuais, especialmente dos menos favorecidos e de todos os que enfrentam dificuldades, são também compartilhados pelos seguidores de Cristo; e não existe nada na vida humana que não tenha ressonância em seus sentimentos".

No segundo capítulo, "Um Estrangeiro na Estrada", Francisco utiliza a parábola do Bom Samaritano para propor soluções aos desafios contemporâneos. Francisco destaca que a parábola é universalmente compreensível, sendo relevante para todas as pessoas de boa vontade, independentemente de suas crenças religiosas.

A narrativa do Bom Samaritano, embora simples, aborda profundamente a questão da identidade e da fraternidade humana. Francisco observa que, ao longo da vida, todos inevitavelmente encontramos pessoas feridas no caminho, e nossa resposta a essas situações define nossos projetos econômicos, políticos, sociais e religiosos. Ele salienta que diariamente enfrentamos a escolha de ser bons samaritanos ou passantes indiferentes, e que, ao refletirmos sobre a história da humanidade, perceberemos que todos já assumimos os papéis do ferido, do salteador, dos indiferentes e do bom samaritano.

O Papa destaca que a negligência social e política transforma muitos lugares em estradas desoladas, onde conflitos e marginalização prevalecem. Ele enfatiza que Jesus, na parábola, incentiva a bondade humana e a construção de uma sociedade justa, sem explorar alternativas de ódio ou vingança. Francisco lamenta a demora da Igreja em condenar a escravidão e outras formas de violência, afirmando que, com o desenvolvimento da espiritualidade e teologia, não há mais desculpas para tolerar injustiças. Ele critica o uso da fé para justificar nacionalismos fechados e atitudes xenófobas. O Papa conclui destacando a importância de a catequese e a pregação incluírem a dimensão social da existência, a fraternidade espiritual, a dignidade inalienável de cada pessoa e as motivações para amar e acolher a todos.

O terceiro capítulo, "Pensar e Gerar um Mundo Aberto", o Papa Francisco discute a essência da existência humana autêntica, que se baseia em vínculo, comunhão e fraternidade. Ele afirma que a vida verdadeira surge de relações genuínas e fiéis, enquanto a vida isolada e egoísta leva à morte. Francisco destaca que o amor sem fronteiras é fundamental para a amizade social, essencial em cada cidade ou país. Essa amizade social autêntica é necessária para uma verdadeira abertura universal, criticando o falso universalismo daqueles que desprezam suas próprias comunidades.

Ele enfatiza a importância de reconhecer o valor intrínseco de cada ser humano para avançar rumo à amizade social e à fraternidade universal. O Papa argumenta que ninguém deve viver indignamente por nascer em lugares com menos recursos, e todo ser humano tem direito a viver com dignidade e a se desenvolver integralmente, independentemente das circunstâncias. Francisco conclui que é possível sonhar com uma humanidade diferente, onde todos tenham acesso à terra, teto e trabalho. A verdadeira paz, para ele, vem de uma ética global de solidariedade e cooperação, baseada na interdependência e corresponsabilidade dentro da família humana.

No quarto capítulo, "Um Coração Aberto ao Mundo Inteiro", enfatiza que todos os seres humanos têm o direito de encontrar um lugar onde possam satisfazer suas necessidades básicas e se realizar plenamente. Ele propõe que os esforços em favor dos migrantes devem ser guiados por quatro ações: acolher, proteger, promover e integrar. Essas ações devem ser realizadas em conjunto, não como programas assistenciais impostos de cima para baixo, mas como um caminho compartilhado que leva à construção de cidades e países abertos às diferenças culturais e religiosas.

Francisco argumenta que a chegada de migrantes, vindos de contextos culturais distintos, deve ser vista como um presente. As histórias dos migrantes são encontros culturais que oferecem oportunidades de enriquecimento e desenvolvimento humano para todos. Ele ressalta que acolher pessoas diferentes de coração aberto permite que elas mantenham sua identidade enquanto se desenvolvem em novas maneiras. O Papa também destaca a importância de preservar a riqueza cultural acumulada ao longo dos séculos, garantindo que o mundo não se torne mais pobre culturalmente. Ao mesmo tempo, ele incentiva que essas culturas se permitam evoluir através do encontro com outras realidades.

 No quinto capítulo, "A Política Melhor", critica os populismos, diferenciando entre ser popular e ser populista. Ele denuncia a demagogia crescente e alerta contra as ameaças que ela representa para a verdadeira democracia. Este capítulo é uma chamada para uma política que verdadeiramente sirva ao bem comum. O Papa argumenta que uma política eficaz é fundamental para promover a fraternidade global e o bem comum. Ele critica as formas contemporâneas de política que, em vez de promover a unidade e a inclusão, muitas vezes exacerbam divisões. Populismos e liberalismos são abordados como exemplos disso, destacando como alguns líderes usam interesses populares de maneira manipulativa para benefício próprio, ao invés de construir uma sociedade mais aberta e acolhedora para todos. A reflexão sobre a manipulação política da cultura do povo e a necessidade de uma crítica fundamentada da demagogia ressalta a importância de uma política que respeite e integre as diversas culturas e aspirações comunitárias.

Além disso, discute a necessidade de líderes políticos que compreendam verdadeiramente os sentimentos e dinâmicas culturais do povo, promovendo transformações duradouras baseadas em um projeto inclusivo e sustentável. Por outro lado, adverte contra o populismo que busca apenas popularidade e poder pessoal, subvertendo o verdadeiro propósito da política de servir ao bem comum. A crítica às visões liberais individualistas também é evidente, argumentando que uma abordagem política eficaz deve integrar tanto os interesses individuais quanto a dimensão coletiva, sem perder de vista a importância das instituições e da ciência na construção de uma sociedade justa e equitativa.

No sexto capítulo, "Diálogo e Amizade Social", enfatiza a necessidade urgente de promover um diálogo autêntico e inclusivo como antidoto à cultura do descarte. Ele critica a imposição de opiniões e promove a escuta respeitosa das diferentes perspectivas, buscando um encontro genuíno que valorize a diversidade como uma riqueza. Francisco insiste que esse diálogo não deve ser apenas verbal, mas também refletido em ações concretas que promovam a justiça social e o bem comum. Ao fazê-lo, ele convoca os fiéis a engajarem-se na construção de uma sociedade mais fraterna e solidária, onde as diferenças são vistas como oportunidades para um convívio pacífico e harmonioso. O Papa aborda a construção de uma cultura do encontro. Ele propõe um diálogo aberto e sincero como meio para superar as divisões e promover a paz. A amizade social é vista como uma ferramenta crucial para a coesão social.

No sétimo capítulo, "Caminhos de Reencontro", apresenta a paz como uma obra artesanal, que requer paciência, habilidade e esforço contínuo. Ele utiliza a metáfora da "artesanalidade" da paz para ilustrar que a paz é construída ponto a ponto, através de ações concretas e persistentes. O Papa condena fortemente a guerra e a pena de morte, afirmando que esta última deve ser completamente abolida.

Explora com profundidade os intricados caminhos da paz e da reconciliação em cenários de conflito. Abordando a necessidade de abandonar abordagens superficiais e discursos vazios, o texto nos chama a atenção a importância de uma memória penitencial que reconheça o passado sem esquecer suas dores, mas com o objetivo de liberar o futuro de ressentimentos e conflitos. Propõe-se um novo encontro baseado na verdade histórica e na aceitação das mudanças ao longo do tempo, enfatizando o papel crucial do perdão como catalisador para romper com ciclos de violência e construir uma sociedade mais justa e solidária.

No oitavo e último capítulo, "Religiões a Serviço da Fraternidade no Mundo", explora o papel crucial das religiões na promoção da fraternidade global e da justiça social. Ele argumenta que as religiões, ao reconhecerem a dignidade de cada pessoa como filha de Deus, oferecem uma base sólida para o diálogo inter-religioso, não apenas como um exercício diplomático, mas como um meio genuíno de estabelecer amizade, paz e harmonia através do compartilhamento de valores espirituais e morais. Francisco enfatiza que a fraternidade autêntica só pode ser sustentada através da abertura ao transcendente, criticando visões ideológicas que tentam excluir Deus da sociedade, o que, segundo ele, leva à violação dos direitos humanos e à degradação da dignidade humana.

Além disso, o Papa sublinha a importância da liberdade religiosa como um direito fundamental que promove a coexistência pacífica entre diferentes culturas e crenças. Ele condena o uso distorcido de textos religiosos para justificar violência e terrorismo, destacando que as religiões têm o potencial de serem agentes de paz e solidariedade global.

A encíclica Fratelli Tutti, é um apelo urgente à construção de um mundo mais justo e fraterno, especialmente relevante em tempos de crise global. Propõe uma visão clara e prática para a transformação social e política, desafiando os tempos sombrios através da promoção de uma cultura de encontro, diálogo e solidariedade. Inspirado por São Francisco de Assis, o Papa Francisco conclui a encíclica com orações que destacam a importância da unidade espiritual entre diferentes religiões, enfatizando a esperança e a necessidade de esforços coletivos para um futuro harmonioso e fraterno.

Texto: Seminarista Henderson Souza

 

 


REFERÊNCIA

 

FRANCISCO, Papa. Carta Encíclica Fratelli tutti. São Paulo: Edições Loyola, 2020. 

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